terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Teresa de Calcutá: luz desde a escuridão

Entrevista do postulador da causa de canonização, Pe. Kolodiejchuk, à Agência Zenit sobre o livro

O Pe. Brian Kolodiejchuk, postulador da causa de canonização de Madre Teresa de Calcutá, é o autor do livro "Come Be My Light", que recolhe os escritos da beata, em parte inéditos, revelando o sofrimento de não experimentar o amor de Deus. Em entrevista à Agência Zenit (Roma), o autor fala desta "noite escura", que tanta polémica tem gerado.

Agência Zenit (AZ) - A extraordinária vida interior da Madre Teresa foi descoberta depois da sua morte. Segundo os seus directores espirituais, como era a sua vida, especialmente seu sofrimento de escuridão espiritual, oculto a todos os que a conheceram?
Pe. Brian Kolodiejchuk (BK) - Ninguém fazia sequer a menor ideia do que ela vivia interiormente, pois os seus directores espirituais conservavam estas cartas. Os jesuítas conservam algumas, outras estão na arquidiocese e o Pe. Joseph Neuner, outro dos seus directores espirituais, tem algumas. Estas cartas foram descobertas quando buscávamos os documentos para a causa.
Enquanto vivia, a Madre Teresa pediu que sua informação biográfica não se desse a conhecer. Pediu ao Arcebispo Ferdinand Périer, de Calcutá, que não dissesse a nenhum outro bispo como começou tudo. Disse-lhe: "Por favor não diga nada dos inícios porque, uma vez que as pessoas conheçam os inícios, quando ouvem falar das locuções interiores, então a atenção se centrará em mim e não em Jesus". Ela dizia sempre: "Obra de Deus. Esta é a obra de Deus".
Inclusive as irmãs mais próximas dela não conheciam a sua vida interior. Muitos poderiam ter pensado que ela tinha uma grande intimidade com Deus e que esta iluminava o seu caminho no meios das dificuldades da Ordem ou da pobreza material que sofreu.

AZ - O livro fala do voto secreto que ela fez no princípio da sua vocação, pelo qual prometeu não negar a Deus nada que tivesse a ver com a dor provocada pelo pecado mortal. Que papel desempenhou este voto na sua vida?
BK - Madre Teresa fez o voto, em 1942, de não negar nada a Deus. As suas cartas inspiradas por Jesus chegaram logo depois. Em várias cartas, Jesus lhe pergunta, comentando o seu voto: "Deixarás de fazer isso por mim?".
Portanto, o voto é o substrato da sua vocação. Depois, nas cartas inspiradas, vê-se que Jesus lhe explica o seu chamamento. Ela então segue adiante porque sabe que Jesus quer. Está motivada pelo pensamento da dor de Jesus, porque os pobres não o conhecem e, portanto, não o amam.
Este foi um dos pilares que a manteve no seu caminho através da prova da escuridão. Graças à certeza do seu chamamento e a este voto, numa das cartas escreve: "Estive a ponto de deixá-lo e então recordei o voto, e isso me fez levantar-me".

AZ - Falou-se muito sobre a noite escura da Madre Teresa. O seu livro descreve-a como um "martírio de desejo". A sua sede de Deus foi desconhecida durante muito tempo. Pode descrevê-la?
BK - Um bom livro para ler e compreender algumas dessas coisas é "Fire Within" (Fogo interior), do Pe. Thomas Dubay, que fala do sofrimento da perda e do sofrimento da sede para explicar que o sofrimento da sede é mais duro.
Como declara o Pe. Dubay, no caminho para a autêntica união com Deus, existe a etapa purgativa, chamada "noite escura", e depois a alma entra num estado de êxtase e verdadeira união com Deus.
No caso da Madre Teresa, parece que a etapa purgativa aconteceu durante a sua formação no convento de Loreto. No momento de sua profissão, disse a uma companheira que com frequência experimentava a escuridão. As cartas dessa época são as típicas cartas de uma pessoa que está na "noite escura".
O Pe. Celeste Van Exem, seu director espiritual naquela época, disse que provavelmente em 1946 ou 1945 se encontrava já perto do êxtase.
Depois há uma referência ao momento em que apareceram as inspirações e as locuções interiores, o momento no qual as dificuldades de fé cessaram.
Posteriormente, a Madre Teresa escreveu ao Pe. Neuner, explicando: "Você sabe como Ele actuou. E foi como se nosso Senhor se entregasse a mim plenamente. Mas a doçura, o consolo e a união daqueles seis meses passados desapareceu logo".
De maneira que a Madre Teresa experimentou seis meses de intensa união, após as locuções interiores e o êxtase. Estava já na etapa espiritual da união transformadora. Nesse momento, voltou a escuridão.
Mas, a partir de então, a escuridão que experimentava acontecia juntamente com a união com Deus. Isso não significa que viveu a união e depois a perdeu. Perdeu a consolação da união que se alternava com a dor da perda e com uma profunda nostalgia de Deus, uma verdadeira sede.
Como dizia o Pe. Dubay, "às vezes a contemplação é deleitosa, e outras vezes é substituída por uma forte sede de Deus". Mas no caso da Madre Teresa, com excepção de um mês, em 1958, ela não teve esta consolação da união.

Há uma carta na qual ela diz: "Não, padre, não estou só, tenho sua escuridão, tenho a sua dor, tenho uma terrível nostalgia de Deus. Amar e não ser amado, eu sei que tenho Jesus na união que não foi quebrada, minha mente está fixa n’Ele e só n’Ele".

A sua experiência da escuridão na união é sumamente rara, inclusive entre os santos, pois para a maioria o final é a união sem escuridão.
O seu sofrimento, então – utilizando o termo do teólogo dominicano Reginald Garrigou-Lagrange –, deve-se mais aos pecados dos outros do que ao carácter purificador dos seus próprios pecados. Está unida a Jesus com uma fé e um amor capazes de levá-la a partilhar a sua experiência do Getsemani e da cruz.

Madre Teresa comentou que o sofrimento no Getsemani foi pior que o da cruz. E agora compreendemos de onde vinha isso, porque ela tinha compreendido a sede de almas de Jesus.

O importante é que se trata de uma união. Como indicava Carol Zaleski num artigo publicado na revista "First Things", esse tipo de prova é novo. Trata-se de uma experiência moderna de santos dos últimos 100 anos: sofrer o sentimento de que não se tem fé e de que a religião não é verdadeira.

Sofrimento
Na segunda parte desta entrevista concedida à agência Zenit, o padre Brian Kolodiejchuk, missionário da Caridade, explica pontos centrais do livro que acaba de publicar.

AZ -O nome do livro, "Vem ser a minha luz", foi um pedido de Jesus à Madre Teresa. Como se relaciona o seu sofrimento redentor pelos demais, no meio dessa profunda escuridão, com o seu carisma particular?

BK - Durante os anos 50 do século passado, Madre Teresa rendeu-se e aceitou a escuridão. O padre Joseph Neuner [um dos directores espirituais, ndr] ajudou-a a compreender isso, relacionando a escuridão com o seu carisma: saciar a sede de Deus.

Ela costumava dizer que a maior pobreza era não se sentir amado, solicitado, cuidado por ninguém, e era exactamente o que ela estava a viver na sua relação com Jesus. O seu sofrimento redentor era parte da vivência do seu carisma ao serviço dos mais pobres entre os pobres.

De maneira que, para ela, o sofrimento era não só um meio para identificar-se com a pobreza física e material, mas, no âmbito interior, identificava-se com os não amados, com os que estão sozinhos, com os que são rejeitados.

Renunciou à sua própria luz interior para iluminar os que viviam na escuridão, dizendo: "Sei que não são mais que sentimentos".

Numa carta a Jesus, escreveu: "Jesus, ouve minha oração, se isso te agrada. Se minha dor e sofrimento, minha escuridão e separação te dá uma gota de consolação, faz comigo o que queiras, todo o tempo desejes. Não olhes aos meus sentimentos nem à minha dor".

"Sou tua. Imprime em minha alma e vida os sofrimentos do teu coração. Não olhes aos meus sentimentos, não olhes nem sequer à minha dor".

"Se a minha separação de ti permite que outros se aproximem de ti e tu encontras alegria e deleite no seu amor e companhia, quero de todo coração sofrer o que sofro, não só agora, mas pela eternidade, se for possível".

Numa carta às suas Irmãs, torna mais explícito o carisma da Ordem: "Minhas queridas filhas, sem sofrimento, nosso trabalho seria somente trabalho social, muito bom e útil, mas não seria obra de Jesus Cristo, não participaria da redenção. Jesus desejava ajudar-nos partilhando a nossa vida, nossa solidão, nossa agonia e morte. Tudo isso ele assumiu em si mesmo e levou-o à noite mais escura. Somente sendo um de nós podia redimir-nos".

A nós, permite-nos fazer o mesmo: toda a desolação dos pobres, não apenas a sua pobreza material, mas também a sua profunda miséria espiritual, deve ser redimida e compartilhada. Orai, então, assim quando isso se torne difícil: «Quero viver neste mundo que está longe de Deus, que se distanciou da luz de Jesus, para ajudá-lo, para carregar uma parte do seu sofrimento»".

E isso resume o que considero o fundamento da sua missão: "Se um dia chegar a ser santa, seguramente serei uma santa da 'escuridão'. Continuarei ausente do Céu para dar luz aos que estão na escuridão na terra…"
Assim compreendeu a sua escuridão. Muitas das coisas que disse têm mais sentido e acabam por ser mais profundas agora que sabemos isso.

AZ -Então, o que dizer a quem qualifica a sua experiência como uma crise de fé e que ela realmente não acreditava em Deus, ou a quem sugere que a sua escuridão era um sinal de instabilidade psicológica?
BK - Ela não teve crises de fé, ou falta de fé, mas teve uma prova de fé na qual experimentou o sentimento de que ela não acreditava em Deus. Esta prova requereu muita maturidade humana, porque, se não, não teria sido capaz de suportá-la. Teria ficado desequilibrada.

Como disse o padre Garrigou Lagrange, é possível experimentar simultaneamente sentimentos contraditórios entre si. É possível ter uma "alegria cristã objetiva", como a chamou Carol Zaleski, e ao mesmo tempo entrar na prova ou sentimento de não ter fé.

Não há duas pessoas aqui, mas uma pessoa com sentimentos em diferentes níveis.

Podemos realmente estar a viver a cruz de algum modo – é dolorosa e faz doer– e, ainda que a espiritualizemos, isto não tira a dor. Agora, ao mesmo tempo, podemos estar alegres porque estamos a viver com Jesus e isto não é falso.
Aqui está o como e o porquê a Madre Teresa viveu uma vida tão cheia de alegria.

AZ -Como postulador de sua causa de canonização, quando crê que poderemos chamá-la santa?
BK - Precisamos de outro milagre – examinamos alguns, mas nenhum é suficientemente claro. Houve um para a beatificação, mas estamos à espera do segundo.
Talvez Deus tenha esperado que se publicasse antes o livro, pois muitos tinham a Madre Teresa por santa, mas era tão simples e se expressava de uma maneira tão simples que não compreendiam a profundidade da sua santidade.

No outro dia, escutei dois sacerdotes falarem sobre isso. Um dizia que nunca tinha sido muito fã da madre Teresa porque pensava que era piedosa, devota, e que fez obras admiráveis, mas que quando ouviu falar da sua vida interior, isso mudou o que pensava dela.

Agora temos algo mais que uma mera ideia da sua evolução espiritual e uma parte da sua profundidade foi revelada.
Assim que chegue o milagre, demoraremos pelo menos dois anos, ainda que o Papa possa acelerar o processo se desejar.

AZ -O que aconteceu com a Ordem [Missionárias da Caridade, ndr] desde a morte da Madre Teresa?
BK - A Ordem cresceu quase em mil irmãs, passou de 3850 para a 4800, hoje, e acrescentamos cerca de 150 casas em mais de 14 países. A obra de Deus continua.


Entrevistas | Agência Zenit | 2007-09-08 | 14:07:00 | 11440 Caracteres | Vida Consagrada

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